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Rico Dalasam, ‘Dolores Dala Guardião do Alívio’ (Análise)
Rico Dalasam é um artista que merece um destaque especial dentro do rap, afinal, é um dos poucos artistas do gênero a emplacar um hit de carnaval, que apresenta trabalhos carregados pela diversidade rítmica, destacando as mudanças de Balanga Raba (2017) em relação a Modo Diverso (2015) e seu álbum Orgunga (2016). Transitando do rap ao pop, o rapper nunca se delimitou a um estilo de rima ou forma de fazer música. eu nasci em 89, periferia da Zona Sul de SP. O Pagode, o Forró, Mastruz com Leite, o Axé, Daniela, Araketu, não tem como tirar isso da minha construção. E em certas horas, eu me vejo como um cantor de Axé no palco (risos), em outras como um cantor de Rock, e o Rap no meio de tudo. Quero estar sempre desbravando isso.
Dalasam via MonkeybuzzApós um hiato de lançamentos de 3 anos, visto pelo próprio para se “redimensionar” e “recontar o tempo”, Rico Dalasam lançou em Maio seu EP ‘Dolores Dala Guardião do Alívio’.
Capa do EP assinada por Oga Mendonça
DDGA traz consigo histórias e reflexões da própria vida do rapper, surgidas durante o período em que esteve longe dos holofotes; que se baseia na relação “dor-alívio”, com composições em tom muito menos explosivo que dos trabalhos anteriores, entre elas, o single “Braille”, lançado em março de 2019, cuja a divulgação se fez via Whatsapp.

O EP contém 4 faixas, e conta com a produção de Mahal, Dinho e do próprio Rico e a participação das guitarras de Chibatinha.

Confira abaixo os comentários e avaliações da equipe:Logo na primeira faixa, “DDGA”, Rico deixa escancarados os sentimentos que permeiam todas as faixas do disco: dor e alívio. O sentimento de dor é caracterizado como o plano de fundo do trabalho, estando em primeiro plano a recuperação, o “alívio” que é presente no trecho citado. A mudança que acontece no processo, da relação dor-alívio, é audível durante a escuta do trabalho. Com estas diversas camadas, as composições são expressas em tom muito menos explosivo que dos trabalhos anteriores; bom exemplo é disso é a faixa “Vividir”, que, em contraste com faixas como “Riquíssima”, famosa faixa do artista, saem das provocações e trazem o ouvinte mais pra perto dos sentimentos e dos detalhes; como em um plano fechado de cinema.

Ainda sobre o tempo, se constrói o interlúdio “Circular 3”. A linha de ônibus que liga a região periférica de Taboão da Serra, cidade onde Rico nasceu, com a região central da cidade serve de alegoria para o processo que o rapper sugere no disco. A faixa, ainda, serve como transição entre a dualidade presente no disco, sintetiza o caminho andado, e demonstra o aspecto de alteridade presente no trabalho - a relação do corpo preto, que constantemente sai da periferia e se depara, nas regiões centrais, com as opressoras estruturas formadas por corpos brancos, fato que Dalasam descreve de forma romântica na faixa “Braille”. Aqui, Rico fala sobre o tão falado, racismo estrutural, que, apesar dos sentimentos na relação, acaba sendo transmitido nos detalhes; na fala, no agir, e, de novo, conversa sobre a superação, assim como a questionadora “Mudou Como?” que, de novo, fala sobre uma relação interracial, onde a promessa de mudança é falsa e exemplifica, lindamente, a falta de carinho dentro de um relacionamento, criando um paralelo entre o fone de ouvido e a indiferença.— RafælDDGA é um álbum que se tornou especial, por ser uma obra que compartilha conosco as dores, alívios, e os pensamentos rotineiros em meio a um fluxo de transformações constantes. Dalasam nos acolhe como amigos íntimos de anos, daqueles que podemos repousar nossas dores, preocupações, e compartilhamos uma confiança e conexão recíproca.

Essa é a produção mais intimista de Dalasam, que se divide entre os intelúdios de reflexão e de uma conversa que nos leva a pensar em um lado bom nas demoras e nas dificuldades encontradas cotidianamente. As histórias contadas por Rico se desenrolam nas guitarras de Chibatinha e nos beats assinados por Mahal, que transmitem um contraste interessante entre dor e alívio pelos versos questionadores de "Mudou Como?". Enquanto as produções de Dinho, por sua vez, mais lentas, transmitem nas batidas de funk, trap, e nas melodias dos pianos, o sentimento de renovação, criando uma atmosfera perfeita que casa bem com as letras mais melódicas e reflexivas de "Braille" e "Vividir".

As temáticas de 'Dolores Dala' são problemas e angústias comuns a quem ouve, e essa diversidade sonora, assinada por Mahal, Dinho e o próprio Rico, transformam 12 minutos em uma eternidade que poderíamos viver tranquilamente. — ChermontPensando um pouco nas parceria de DDGA, temos algumas produções de Dinho, que já havia feito parceria com Rico em “Não deito pra nada” e “Não vem brincar de amor”. Também de Chibatinha da banda ÀTTØØXXÁ, tocando guitarra em “Mudou como?”, e Mahal na produção da mesma faixa.
Mahal e Rico já se conheciam de outros carnavais. Mahal é quem produziu “Fogo em mim”. E até uma festa os dois já armaram juntos no ano passado. Em entrevista, Mahal contou sobre uma experiência que mudou sua forma de fazer arte, e até de ser ver no mundo:

“Naquele momento eu entendi que eu eu estava liberto para fazer o que eu quisesse, e que mais pessoas precisavam estar libertas para fazer o que acreditassem.”

Essa frase, sobre reconhecer a força imparável que tem em si em contraposição aos descréditos diários de uma sociedade racista, é muito potente. Vejo essa potência também em Rico, quando ele sai na Folha de São Paulo sob a manchete: “Eu não posso idiotizar o meu processo só porque isso vai me pôr no top 200, 50 do Spotify”.

Fazer o que se acredita, musicalmente ou não, exige coragem para enfrentar as velhas receitas padronizadas, mas tem como resultado a libertação. Em DDGA, penso que Rico não fez uma aposta, mas jogou consciente do trabalho que queria apresentar, das canções íntimas que até contrastam com as de pista e ferveção de outrora.

“Fazer música popular é um trabalho cheio de camadas. Quando eu sento pra fazer isso, eu sento como um cientista social, um antropólogo, um geógrafo. Não é pra parecer algo que aconteceu na mesa do bar”, disse o Rico.

E ele tem razão. Nem tudo é galera, nem tudo é curtição. As reflexões que ele trouxe dessa vez nos obrigam a olhar pra dentro, pros nossos sentimentos, relacionamentos, saudades. E o tempo é fundamental ali, agindo, assentando a poeira, até chegar o alívio.— Marta Barbieri