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Djonga, ‘O Menino Que Queria Ser Deus’ (Análise)


Djonga no videoclipe "CORRA"Exatamente um ano após o lançamento do álbum de estreia "Heresia", Djonga volta à cena com o ambicioso "O Menino Que Queria Ser Deus". O novo álbum de Djonga nos mostra um MC mais maduro, mais reflexivo e mais sábio, embora ainda mantenha a jovialidade e irreverência pelas quais ele é conhecido.É o pente descarregado, o trilho descarrilhado
Ou seja, o trem passa por cima
Não se passe por sonso
Que eu tô igual língua de sogra, sem freio - Djonga em "ÁTIPICO"O estilo desbocado e abusado de Djonga marca todas as faixas do álbum, mas também presenciamos momentos de grande profundidade e sabedoria ao longo das faixas. No novo álbum, Djonga toca em assuntos pungentes para a sociedade brasileira contemporânea.Antigamente enfrentar medo era fugir de bala
Hoje em dia enfrentar medo é andar de avião
Antigamente eu só queria derrubar o sistema
Hoje o sistema me paga pra cantar, irmão - Djonga em "JUNHO de 94"Em "CORRA", Djonga aborda de forma magistral a questão do racismo estrutural e geracional que homens e mulheres negras ainda sofrem diariamente no Brasil. A faixa é inspirada no filme Get Out ("Corra!" em português) dirigido por Jordan Peele, que trata do racismo sofrido pelos negros americanos no século XXI.

Cena de Get Out, filme dirigido por Jordan PeeleA faixa "CANÇÃO PRO MEU FILHO" é uma verdadeira declaração de amor de Djonga para seu pequeno filho e uma belíssima reflexão sobre a paternidade em meio a uma vida intensa. A espiritualidade de Djonga fica mais evidente na faixa "DE LÁ", na qual o MC faz uma ode a alguns dos mais conhecidos orixás do Candomblé - Oxum, Ogum e Xangô. É interessante ver que Djonga extrai da presença dos orixás um sentido maior para sua vida como artista negro no Brasil de hoje.
Djonga com Yasmin, mãe de seu filho. O tom mais claro da pele do filho do MC gerou debate nas redes sociais, tema também evidente de O Menino Que Queria Ser DeusE como não falar de "ESTOURO"? A faixa conta com a participação de Karol Conká e nela há verdadeira justaposição das perspectivas masculina e feminina. A estrutura de rimas e dos versos é praticamente idêntica, mas é interessante ver como as perspectivas dos dois são diferentes, embora em nenhum momento discrepantes entre si. E, por falar em participações, Sant e Sidoka roubaram a cena na faixa "UFA" e Hot DV Tribo também fez um excelente trabalho em seu verso na faixa "SOLTO".Oh na na, já fui egocêntrica, falocêntrica
E eu centrifugo tudo isso
Vou me construir de novo
Tô dando orgulho pra minha quebrada - Karol Conká em "ESTOURO"E no trilho desse trem (trilho desse trem)
Que balança mas não cai
Igualzin' trabalhador dentro dele (igualzin' trabalhador)
Equilibrei minhas emoções
E compus o meu jardim, flor da pele (flor da pele)
Pelo menos, se sentir, emane
E, de peito aberto, encare (o que?)
O tempo e suas artimanhas - Sant em "UFA"A produção do Coyote em O Menino Que Queria Ser Deus é esteticamente impecável e se adapta perfeitamente ao estilo de Djonga, que demonstra imensa evolução lírica neste álbum. É possível ver trocadilhos, punchlines, alusões, metáforas e diversos artifícios literários recheando cada faixa, sem contar que Djonga se preocupou muito em explorar os refrães cantados, o que traz maior brilho ao álbum.Ó, essa vai pra quem pensou que nós tá fraco, uô
O terror voltou, é o pa-tu-tu-tum, pa-tu-tu-tum
Tiro pra todo lado, uô
O terror voltou
Esa vai pra quem pensou que nós tá fraco, uô
O terror voltou, é o pa-tu-tu-tum, pa-tu-tu-tum
Tiro pra todo lado, uô
O terror voltou - Djonga em "ATÍPICO"O Menino Que Queria Ser Deus é um verdadeiro registro autobiográfico de Gustavo Djonga, pois nele vemos diferentes facetas da vida do MC, como, por exemplo, sua origem periférica, a influência dos pais, o desejo de crescer em um ambiente violento e sem perspectivas, os artistas que embalam a trilha sonora da infância e adolescência do MC (Racionais e Swing & Simpatia são exemplos ilustres), a ideia de fazer rap, a paternidade e tantos outros aspectos que são espalhados pelas faixas.O álbum, inclusive, segue a tradição de grandes rappers como JAY-Z e J Cole, que iniciam seus trabalhos mais autobiográficos com alguma faixa que faz alusão à data de seus aniversários.
Imagem do videoclipe de "JUNHO de 94", faixa que lembra "December 4th" do JAY-Z e "January 28th" do J Cole.O disco O Menino Que Queria ser Deus novamente chama atenção da cena para Djonga, um MC que não tem medo de mexer com o público, tirar os ouvintes da zona de conforto e na experiência entregar um dos possíveis destaques do rap nacional em 2018. É o Gustavo trazendo um álbum para ficar na memória do rap nacional.E esse trono de rei do rap, não vale nada
Enquanto morrer o menor pra ser rei na quebrada
Tipo enquanto alguém for escravo, nenhum de nós é livre
E dessa aí eu me livrei por pouco
Eu me levei pro topo, onde poetas mentem
E é isso que os mantém - Djonga em "ETERNO"