Genius Brasil
Obrigado, Rap Modinha!
Em meados de 1988, quando Thaíde e DJ Hum lançavam a coletânea “Hip Hop Cultura de Rua”, primeira coletânea de rap nacional e responsável por lançar a carreira da dupla e também de outros artistas, como os grupos Código 13 e O Credo, além do rapper MC Jack, o rap e toda a cultura que envolvia o hip hop eram cercadas por um preconceito que abrangia grande parte da sociedade, o rap era “coisa de bandido” para a maioria da população, a divulgação era praticamente nula, as dificuldades para se gravar um trabalho superavam em grandes proporções os frutos que isso renderia e dizer para alguém que participava dessa cultura logo te renderia muitos rótulos.
Hoje, no começo do ano de 2017, apesar de estarmos longe de uma completa aceitação social, temos uma cultura muito mais estabilizada, diferenciada, disseminada e salve alguns casos isoladas, muito mais “descriminalizada”. Entre muitos outros processos que tornaram essa evolução possível, um deles chama bastante atenção, não só pela sua popularidade, mas também pelas críticas dos próprios fãs do gênero: O novo estilo de rap que deixou de lado as críticas sociais e a narração da vivência nas periferias para se adaptar ao estilo de vida de uma classe social um pouco mais elevada.

É muito comum acessarmos clipes de músicas de artistas e grupos relativamente novos e populares como o próprio Costa Gold, Class A e ModestiaParte e nos deparamos com diversos comentários que vão desde o clássico “Isso não é rap de verdade” até o “Isso é rap de boy, Racionais é rap de verdade! ”, esses são os famosos guardas do rap, que aparentam estar em todos os lugares da internet nos dias de hoje. Mas teriam eles a consciência que esses mesmos grupos são de suma importância para o desenvolvimento da nossa cultura? A cultura do hip hop?

Em Dois Mil e Seis, quando Cert e Papatinho davam os primeiros passos para a formação do grupo ConeCrewDiretoria, mal sabiam eles que iriam dividir águas na história do rap nacional e também criariam algo que significaria quase que um subgênero para o rap: O “rap de modinha”. Não demorou muito para que o primeiro álbum do grupo, o “Ataque Lírico” caísse nas mãos do público. Mas era um público diferente do que estávamos acostumados, “Religião do Foda-se” estava saindo da boca de um público novo, quase 20 anos depois da chegada do rap no Brasil, quem diria: O rap começou a ser feito por jovens de classe média e direcionado a jovens da mesma classe.
Se eu tivesse um carro foda, já teria arrumado a foda
Se eu fosse um MC famoso, a inveja ia me chamar de moda
- Batoré em "Dois Mil e Sete".Ao mesmo tempo que a Cone abriu as portas para um novo público, a Cone também abriu as portas para novos artistas, daí pra frente, falar sobre dinheiro, mulher, drogas e um estilo de vida de esbórnia virou algo aceitável. Grupos como o Costa Gold, Class A e até mesmo o Projota — que se adequou mais a um estilo de love song — receberam o “sinal verde” para começar a escrever suas músicas, mesmo que sem uma forte ideologia.

Naturalmente, nem Jesus agradou a todos e o público mais antigo logo viu isso como uma apropriação cultural e um desrespeito com a cultura, “O rap é compromisso, não é viagem” virou um grito de guerra contra esse subgênero criado, e a seção de comentários nas músicas desses grupos era populada por tantos críticos ao som que em grande parte das vezes chegavam a superar em número os comentários dos fãs.
Mas temos que ser críticos no mesmo nível com nós mesmos. Apesar desses grupos não carregarem a mesma essência do rap consagrado nos anos 90, eles abriram portas para nós, nos colocaram em outro patamar. Quem — lá em 1989 — imaginaria que estaríamos ouvindo a nossa música, a nossa cultura, tocando na rádio? Ou que uma música daquele mesmo gênero tão estereotipado alcançaria marcas gigantescas como 25 milhões de visualizações numa plataforma mundial de vídeos em menos de 2 meses?

Atualmente, o rap é um dos gêneros musicais mais populares no Brasil e trabalhar com ele virou uma realidade, ganhar dinheiro com música passou de um sonho distante para algo viável, grande parte da sociedade viu o rap nas telonas, ouviu ele nos seus rádios e saindo da boca de seus filhos e percebeu que... “Opa, esse tal de rap não é coisa de bandido”. Aceitando ou não, na conclusão de tudo temos um fato: O Rap Modinha nos proporcionou uma explosão que nos lançou a proporções que há 20 anos atrás eram simplesmente inimagináveis. Longe de mim ousar afirmar que eles são os únicos responsáveis por isso, ao contrário, os grandes responsáveis por isso são os artistas que, há quase 30 anos atrás, cultivaram uma semente que um país inteiro rejeitava.

No final das contas, temos sim que dar um enorme valor para nomes como Mano Brown, Edi Rock, Thaíde, DJ Hum, Ice Blue, KL Jay, Eduardo, Sabotage, entre incontáveis outros, mas também nos basta humildade para aceitar e agradecer tudo o que a “moda” nos rendeu. Se hoje em dia nossos rappers favoritos conseguem ganhar dinheiro com o seu próprio trabalho artístico e serem reconhecidos por isso, existe uma inegável participação dela nisso.