Genius Brasil
Am_Par_Sis, um anagrama a Tom Jobim
Em Am_Par_Sis, cria-se uma colagem assombrosamente diversa e multifacetada de paisagens urbanas brasileiras se baseando exclusivamente em samples retirados de Passarim, o clássico álbum de 1987 do inovador da bossa nova , Tom Jobim. Tom Jobim é uma figura basilar da música brasileira. Vindo da vanguarda do Rio de Janeiro no final dos anos 50 para se estabelecer como um compositor singular, nos anos 60 Jobim teria um papel central na popularização da Bossa Nova ao redor do mundo, fato que o deixaria para sempre ligado ao gênero.Para mim, Jobim foi um mito cultural cuja posição de ícone sagrado nacional criou uma enorme distância geracional, fato que fez com que muita gente jovem ignorasse o trabalho do músico durante sua juventude. Só mais tarde eu descobri Passarim, o primeiro disco de Tom Jobim que realmente me tocou e que continua sendo meu favorito. Lançado tempos depois do auge da bossa nova, Passarim se distancia consideravelmente dos trabalhos mais antigos de Jobim. Mais cru, assombroso às vezes, é um sinal da crescente preocupação de Jobim com o mundo natural; foi um disco à frente do seu tempo.Neste disco, Sentidor usa Passarim tanto como matéria prima quando como ponto de partida conceitual. Nascido em Belo Horizonte, Sentidor pôde observar as dinâmicas sociais e culturais tanto em sua cidade quanto no Rio, durante suas passagens e estadias na cidade, uma cidade cuja reputação cultural muitas vezes pode esconder sua realidade social, como Sentidor explica:Rio de Janeiro sempre foi visto como um tipo de símbolo da relevância cultural e artística do Brasil, ainda que esse tipo de análise seja pouco representativa e deixa a maior parte da produção cultural do país de fora. O Rio é, afinal, a cidade onde nasce o samba, a bossa nova, o Funk Carioca. Ao mesmo tempo, é uma cidade cheia de desigualdades feitas muito visíveis, com relações complexas entre arte, subversão, crime, pobreza e cultura, que ajudam a pensar um cenário que também é o do nosso país inteiro e do mundo de capitalismo cultural em que a gente vive hoje.Am_Par_Sis (anagrama de Passarim ) usa o legado do trabalho de Jobim como provocação política. O disco imagina o que aconteceria se Passarim fosse redescoberto numa versão futura do Rio de Janeiro, depois de que as atuais revoltas politicas e sociais que o país vive se transformassem ao nível de guerra, deixando a cidade em ruínas. Como o disco de Tom Jobim seria interpretado por uma nova geração cuja conexão com o passado e com o resto do mundo foi cortada? Como a matéria prima cultural passada seria reutilizada para a construção de novos rituais? Como a arte pode ser reorganizada e reconstruída democraticamente?

Sentidor usa esse conceito para criar seu trabalho mais completo até hoje, construindo com texturas intimas, de natureza cada vez mais pessoal como em álbuns recentes como Memoro Fantomo_Rio Preto e Dilúvio, criando uma obra que opera em vários níveis. Emotivo e distópico, global e ao mesmo tempo localizado, inovativo e canibalístico. Usando elementos da Ambient Music, Drone, Neoclássico, o disco é uma visão hipnótica desse Rio pós guerra, em que a influência do nosso passado cultural se torna ao mesmo tempo fugaz e onipotente. Só o tempo dirá se esse é realmente o caminho que seguimos.

Este novo trabalho, traz um pequeno conto escrito por João Carvalho e um encarte de colagens feitas a partir de fotografias de Krishna Montezuma, fotógrafa que vive no Rio de Janeiro. O resultado é um mapa ficcional do cenário místico em que a história se desenvolve.