Genius Brasil
Mano Brown, Ice Blue e Fernando Haddad debatem o extermínio nas periferias de São Paulo
[Mano Brown]
Boa noite. É, eu não vim falar de cultura. Infelizmente, eu acho que já foi bem falado [aqui], né? Eu vim por um motivo. É lógico que a gente sabe que pode parecer um teatro, também, toda época de eleição tem um encontro, um bate-papo... Depois, todo mundo dispersa. E o que trouxe a gente até aqui não foi pra falar de cultura. Vivemos cultura, a gente cria cultura, eu banco cultura, invisto na cultura. A gente veio falar de extermínio. Eu queria saber se o futuro prefeito tem conhecimento da guerra que está tendo nas ruas de São Paulo, hoje. Nós [Brown e Ice Blue] acabamos de perder dois amigos, no fim de semana, e mais dois, três baleados, no Dia das Crianças, e isso tem acontecido em todos os bairros das periferias da cidade. E a gente tá vendo, também, que, pelo menos, lá, na nossa quebrada, todo mundo era preto, os que estavam nesse lugar, aí. Os caras chegaram de carro e abriram fogo, e tá acontecendo em São Paulo inteira, isso. Eles estão matando por parecer. Por parecer ser. Mas, desde que o Brasil é o Brasil, a gente sempre teve esse julgamento de "parecer ser". Então, dentro dessa lógica, tá morrendo muita gente, entendeu? Eu não sei se os números estão sendo maquiados, não sei se os outros países tão sabendo que tá acontecendo isso na maior cidade do Brasil, na maior cidade da América Latina, na que mais cresce. O Brasil tá entre os países que vão ser os mais observados e tá acontecendo debaixo do bigode da sociedade, aí, com aprovação, inclusive, da população, né. E existe uma maquiagem que faz com que as pessoas se sintam seguras com essas mortes, sendo que, na verdade, elas estão perdendo filhos, primos, sobrinhos, amigos e tal. É mais do que uma denúncia, é uma realidade.

[Ice Blue]
Na grande verdade, os prefeitos, ou os candidatos à prefeitura, não sabem o que acontece com os pretos em São Paulo, não têm nenhum conhecimento de como os negros são tratados nessa cidade. O rap, esse movimento, ainda, que continua sendo discriminado, que continua sendo marginalizado, foi o que mudou São Paulo, o que devolveu o orgulho pro jovem negro daqui. Foi o rap que fez isso, que devolveu a vontade de viver, de permanecer em São Paulo. E nós, que andamos de "bombeta" na rua e temos essa maneira de nos comportar, estamos preocupados. E, hoje, temos uma maneira diferente de ver, porque temos filhos, também. Temos filhos e eles são que nem nós: do meu tamanho, da minha cor... Então, hoje, eu não tô preocupado mais comigo, tô preocupado com meu filho, filho do Brown, filho dele [Helião]. Nosso interesse em estar aqui, hoje, é exatamente esse, o motivo: que os negros de São Paulo continuam morrendo, e que, a partir do momento em que sairmos daqui [do encontro], qualquer um de nós pode estar morto, amanhã, e ser uma manchete de jornal.

[Fernando Haddad]
Você entra na casa das pessoas e elas estão vivendo melhor. Só que, pô, cê sai de casa... É o drama que você [Brown] colocou. Eu soube da perda dos seus amigos, me falaram. Eu estava lá no Shopping Aricanduva, com a Marta, e tinha chegado a notícia, pelo [Eduardo] Suplicy, dos assassinatos, e da guerra que está São Paulo, e da falta de perspectiva dessas coisas, seja pela droga, seja por outros mil fatores, inclusive pelo racismo que existe na cidade e que precisa ser enfrentado. Mas, se você não entrar com cultura, educação, com ação social, você, dificilmente, vai fazer esse quadro mudar. Então, não se trata, aqui, de falar ou de cultura ou da questão do racismo e da insegurança que graça na cidade, mas, sim, de combinar essas políticas e, nos bairros onde o perigo está instalado, o perigo para o morador, né, eu acho que a gente tem que ter uma ação global, de chegar junto e fazer acontecer. Pô, se tem um problema, ali, no Capão, pô, vamos fazer uma intervenção no Capão, social e multifacetada, da segurança, da cultura, da educação, e vamos transformar. Eu acho possível. Eu vi muitas cidades saírem dos dramas da violência com ações intersetoriais. E, se a gente levar em consideração que temos uma cidade muito grande, territorialmente, mas que tem locais que precisam de uma ação imediata, eu acho que a gente começa a fazer a diferença. Não ter medo de enfrentar o "bicho", com a cara feia que tem. Vamos lá e atuar, sabe, e monitorar a coisa. Todo mundo aqui tem que ter a percepção de que as coisas estão mudando para melhor. Então, Brown, se daqui um ano a gente se encontrar, porque nós vamos nos encontrar muitas vezes, num novo encontro e você disser que a coisa, lá, melhorou, a gente vai ter feito um bom trabalho. Olha, "ainda tá ruim, ainda tá difícil", mas é notável que o ambiente é outro, que tem uma perspectiva, que tem um horizonte, eu acho que a gente vai poder acompanhar isso, juntos, e basta que as autoridades, todas, começando pelo prefeito, mas todo o poder público esteja mobilizado nessa direção. Eu faço fé que a gente retome São Paulo.