Don L
Don L, ‘Roteiro Pra Aïnouz, Vol. 3’ (Análise)
Análise de Genius Brasil para o disco Roteiro Pra Aïnouz, Vol. 3 de Don L
Seis anos separaram a estreia de Don L com o Costa a Costa em 2007 até sua estreia solo em 2013. Depois disso foram mais quatro anos até a sequência. Dez anos daquele rapper que sonhava grande e que havia se mudado para São Paulo na esperança de realizar estes sonhos. Talento ele demonstrara ainda em seu princípio no Ceará. Com a chegada de Caro Vapor (2013), muito se criou ao redor do rapper: o "favorito de seu favorito", o nordeste apresentando sua cara e tomando de frente com grandes nomes do eixo Rio-São Paulo.

Roteiro Pra Aïnouz, Vol. 3 (RPA3) é o início da trilogia inversa: de sua vida e cenário atualmente, passando pelo processo de mudança até o retorno para as origens na capital cearense. Nesse meio tempo sem álbuns, muita água rolou e coisas mudaram. Lampejos de novidades vieram em 2015 com "Minha Lei", freestyle em canção da Karol Conká, onde já relembrava de sua vida em Fortaleza e seu novo momento na carreira, e continuado posteriormente no verso livre "Giramundo". Nota-se desde esse período sua necessidade de retomar seu passado e refletir frente sua situação. Era ali inicialmente expresso seu choque com essa realidade do mercado e início de sua frustração. Parece ter sido necessário mais um tempo para assimilação e digestão de tudo isso.

No alto dos seus 36 anos, ele se vê nessa carência por mostrar tudo que viveu e refletiu. Como um roteiro. O título provém de uma mente inquieta, e em cada detalhe e retoque, inspirada. Sua assimilação com o diretor conterrâneo mostra isso: um despertencimento a qualquer lugar, a busca pelo novo, pela descoberta; entender a vida, errar e aprender, se calejar, enfrentar os riscos, não se contentar.

Por tudo que mostrou, a expectativa em cima desse trabalho é imensa. Ele entende isso. Reconhece sua importância e sabe que o público espera ser correspondido, o que pode ser prejudicial. Incumbido de demonstrar seu valor, a festejada peça de Don inicia uma trilogia que deve angariar devotos e holofotes, assim como grandes produções cinematográficas.

O chapa entrega suas nove primeiras "cenas" desse grande roteiro e aqui trazemos nossa impressão:Depois de Frank Ocean, Don foi o cara que mais me enganou. Com o surpreendente Caro Vapor, tive a época de apreciação, mas naturalmente vem a fase do 'quero mais'. A todo ano esperando esse álbum e enfim que quatro—longos—anos depois, eis RPA3. Ele passou esse período experimentando o cotidiano paulistano e refletindo sobre sua vida e carreira. Viu caos, viu que as coisas não são fáceis e que nosso cenário musical não é assim tão maravilhoso. Isso é apresentado no que para ele se resume na obra de seu conterrâneo Karim Aïnouz. Alguém estrangeiro em qualquer lugar. Por querer sempre mais, ser sedento por viver. Refletir sobre o tempo é entender a condição humana e gritar por mais vida, mais felicidade, mais sucesso, mais amor. Aïnouz traz a sofrida realidade nas regiões mais pobres do nordeste e essa busca por uma vida nova. Foi o mesmo que Don buscou ainda recente com seu trabalho de estreia. Arte e vida se confundem. Quando Don partiu para São Paulo, queria aquilo que o 'mundo tem pra dar'. Talvez não tenha conseguido, mas isso resultou em um disco reflexivo e ácido. Não podemos deixar de assemelhá-lo com outro reflexivo Lupe Fiasco em Tetsuo & Youth. Os usos de vocais adicionais e elementos da soul music remetem ao trabalho do norte-americano. Também não podemos deixar de mencionar Kendrick Lamar, com suas viradas e uso de elementos orquestrais e vocalizes. Terra Preta e Eddu Chaves fazem bem esse papel de incrementar musicalidade aos instrumentos síntonos entre si—vale mencionar a faixa instrumental Concainterlúdio guiada pelo sax frenético de Thiago França em um free jazz caótico. A sequência, "Mexe Pra Cam", é um ponto fora da sequência do disco, trazendo a temática sexual que tão bem ele explorou anteriormente. Mesmo cantando a jovialidade, o trabalho de Don se mostra mais maduro, encorpado. De quem muito se espera, muito a de se cobrar, e sucinto e franco, se mostra calejado, mas cada vez mais inspirado. Como nordestino, mais que entusiasmado, me sinto lisonjeado e cortejado com tal capacidade de emoldurar imagens com seus versos e representar tais sentimentos e origens.—Igor FrançaMembroNota FelipeAdao9 KleberBriz10 Lucas Wildemberg10Marta Barbieri9,5Pellizzle8,5ramoshenrique9Ruthe Maciel9Thiago Leve10Igor França9BarrosMatheus10