Gregório de Matos
Besta Fera
[Verso]
Eu sou aquele que os passados anos
Cantando a minha lira maldizente
Torpezas do Brasil, vícios, enganos
E bem que os descantei bastantemente
Canto segunda vez na mesma lira
O mesmo assunto em pletro diferente
De que pode servir, calar quem cala?
Nunca se há de falar o que se sente
Sempre se há de sentir o que se fala
A ignorância dos homens dessas eras
Sisudos faz ser uns, outros prudentes
Que a mudez canoniza bestas feras
Há bons por não poder ser insolentes
Outros acomedidos de medrosos
Não mordem outros, não por não ter dentes
Quantos aqui os telhados têm vidrosos
E deixam atirar sua pedrada
De sua mesma telha receosos
Uma só natureza nos foi dada
Não criou Deus os naturais diversos
Não só Adão criou, e esse de nada
Todos somos ruins, todos perversos
Só nos distingue o vício e a virtude
De que uns são comensais, outros adversos
Tem maior a tiver, do que eu ter pude
Esse só me censure, esse me note
Cantes mais e haja saúde
[Saída]
E haja saúde
Saúde