Valete
Dor e Prazer
[Letra de: "Dor e Prazer"]

[Verso 1: Valete]
Meu pai era um player
E conquistou minha mãe com arte e verborreia
De galã São Tomense
Citava-lhe poemas, cantava-lhe baladas
Minha mãe caiu na teia já toda enfeitiçada
Começaram a namorar, noites longas ao luar
E sexo até a alvorada
Estavam juntos todos dias
Cada beijo uma alquimia, cada olhar uma profecia
Minha mãe engravidou, meu pai bazou
Fugiu do filho que ele procriou
Minha mãe ficou sozinha com um filho na barriga
Que com descuido fecundou
Sem dinheiro p'o aborto
Minha mãe resolveu ter-me, apesar de devastada
Chorava todos os dias arrasada
Sombria, despedaçada, estilhaçada
Fui crescendo na barriga dela, lá dentro
Sentia as mazelas da alma fulminada
A gravidez dava-lhe dores, tonturas, enjoos
Deixava-lhe toda esgotada
Meu pai voltou seis meses depois
Arrependido e certo que minha mãe era a sua amada
Minha mãe aceitou-o de volta, apesar
Da revolta continuava apaixonada
Felizes novamente, encandeados
No me'mo sentimento efervescente
Nasci novembro a tarde bem perto das quatro
Depois de 24 horas duras de trabalho de parto
[Refrão: Aniyah]
Se não tens amor, és só dor
Se queres prazer, dás amor

Se não tens amor, és só dor
Se queres prazer, dás amor

[Verso 2: Valete]
Yeah, meus pais deliciavam com cada sorriso
Cada som, cada olhar, cada movimento
Cada gesto que eu fazia
Tudo o que eu fazia era motivo pra deslumbramento
Encantamento empaditas de euforia
Mas um bebé custa caro dá muita despesa
E mais dureza, pra quem já vive na pobreza
Minha mãe mal se recompôs da gravidez
Foi trabalhar na costura quatrocentas horas por mês
Meu pai estudava e trabalhava ao mesmo tempo
Num ritmo violento por causa do seu rebento
Eu chorava todas as madrugadas, gritava
Berrava, desvairado e eles nunca dormiam nada
Estavam esgotados, secos, stressados
Surtiam por qualquer coisa, andavam sempre alterados
Eu comecei a andar com dez meses
E aos onze meses já falava ficavam maravilhados
Encantados com cada palavra nova
Que eu dizia e com evolução da minha fisionomia
Encantados com cada palavra nova
Que eu dizia e com evolução da minha fisionomia
[Refrão: Aniyah]
Se não tens amor, és só dor
Se queres prazer, dás amor

Se não tens amor, és só dor
Se queres prazer, dás amor

[Verso 3: Valete]
Passava horas e horas a escrever no quarto
A fazer trilhas sonoras p'ra sair do anonimato
Mal dormia, mal saia, mal via os amigos
A escrita era religião, meu castigo, meu abrigo
Eu rimo as dores do meu povo
Envolvo nos versos o sofrimento q'eu absolvo
Ela mandou-me um e-mail a dizer que sou o rei
E que trouxe um estilo novo
Diz que chora desalmadamente
Quando eu rimo intensamente nos temas mais comoventes
Diz que me quer conhecer, p'ra ver realmente
Se eu sou o que digo ser
Encontramos num bar no Vasco da Gama
Logo fiquei encantado com aquela áurea africana
Ela explana uma negritude soberana
Imana a mesma luz que originou o Nirvana
Começamo-nos a ver regularmente
E como era evidente acabou em envolvimento
Dia sim, dia não, em minha casa
Entrosamento sexual até o esgotamento
Foram vários meses na mesma rotina
Mas estava sem adrenalina que o puro amor origina
Eu não a amo mas o sexo é tão bom
Que eu não consigo acabar com ela e terminar nossa novela
Por isso eu minto e digo que lhe amo
O amor dela é insano, ela nem sente que é engano
Ela ama-me perdidamente
E acha que o relacionamento durará eternamente
Passaram-se dois anos e fui ficando distante
Já era flagrante aquele meu distanciamento
Ganhei coragem, resolvi acabar
Resolvi terminar o que já não tinha fundamento
Ela entrou num caos depressivo
Autopunitivo e quase vegetativo
Não comia, não dormia, não saia de casa
Entregou-se a um processo corrosivo erosivo
Largou o trabalho, largou a faculdade
Ficou esquelética e perto da insanidade
Com instintos suicidas, completamente escurecida
Vazia e destruída
[Skit: Valete]
Esta é uma música profunda irmão
Na estrada da tua vida, o teu espírito
Estimula-te sempre a fugir da dor e ir em busca do prazer
Mas lembra-te sempre que há muitos objetivos
Que tu não consegues sem dor, sem sacrifício
Sem sangue, e lembra-te que tu podes erguer
Reerguer ou salvar vidas sacrificando por elas
Sangrando por elas em atos de puro altruísmo
Na busca pelo prazer tu podes ficar cego
E chacinar a alma de todos seres humanos
Em atos de puro egoísmo
Por isso grandes pensadores Budistas
Falavam na importância deste equilíbrios entre a dor e prazer
O equilíbrio do planeta depende muito desse equilíbrio
Entre a dor e prazer
Que cada um de nós tem que alcançar individualmente
Vê o sacrifício de uma mãe a criar seu filho
Vê a história de Gandhi e a sua devoção pelo seu povo
Vai também em busca do prazer irmão
Vai também em busca da tua felicidade
Mas não vás sozinho, leva outros manos contigo
Ensina os manos a amar, ensina aos manos o humanismo

[Outro: David Cruz]
Se não tens amor, és só dor
Se queres prazer dás amor

Se não tens amor, és só dor
Se queres prazer dás amor