Johnny Virtus
Caminho de Volta
[Intro]
Eu bem lhes explicava esta sensação de me abandonar, de embarcar no Outro, de tédio e bocejo, acompanhado pelo sentimento doloroso de perceber o Outro fazendo tudo aquilo de que eu me inibia...

[Verso 1]
Começa de uma forma complicada
Injeção de uma rotina tendo o fim na madrugada
E já no fim de uma drogada noite há outra dose cheia de nada
Porque o meu salário líquido mal enche um copo de água
Sem dinhero não há vícios, tenho vício de não tê-lo
E sou digno de não vê-lo para poder não ter sossego
Pensava que era uma questão de oportunidades
Finalmente eu ganhei uma que foi só para estar calado
Condenado ao azar, encostado a um lugar qualquer
Fui ao mar para perder o lugar, mas ninguém quer
E quando eu volto ponho em causa voltar para casa
Ela dorme mas a aliança é um monte de despesas que nos casa
Quando era novo abria a porta para entrar luz
Hoje fecho porque quem nela bate conta água e luz
E vizinhos lembram-me o custo de ser igual
E o susto de ser igual fez-me encarar isso como normal
Saber lidar com a cadeia da tradição
Chegar à meia noite, dormir a meias num só colchão
E eu amo, mas a noite questiona a minha existência
Depois dum trabalho duro o destino são más tendências

[Interlúdio]
Só me satisfazia sendo dois, não aguentava tamanha pressão apenas na forma de um indivíduo, tinha de ser dois em corpo, senão rebentava o que em mim era desejo....

[Verso 2]
No carro, paisagens e eu afastados por janelas
Muitas horas passam e eu quero passar com elas
Faço um desvio para o centro citadino por ruelas
E ao passar por elas sinto.me inseguro nas promessas
Velhos tempos, amigos, vida em dois dias antigos
Em que um desses dias eram dois dias seguidos
Pensar em voltar e poder voltar ao que se pensa
É muito mais forte do que não querer que isso aconteça
Todos bebem, todos servem todos em comunhão
À noite qualquer pessoa é um veículo de ocasião
Essa agitação distrai-me, cai-me o carácter sóbrio
O prazer noturno de poder trocar o nome próprio

[Verso 3]
Vejo-me a passar para o outro lado
A caminho do inconsciente sigo em passos largos
E largos os momentos que me deixavam perturbado
E espelhavam-me o silêncio de um homem sufocado
Focado no caminho da frente para um caminho diferente
Rebocado por tentações e uma força crescente
Impõem-se a descontração em direção ao bar
Que impõem má provocação, aguardo uma função
Cumprimento conhecidos movimento os sentidos
Amolecido por um desejo de não serem contidos
Bate um alerta, como quem chama por mim
Vento não é certamente e o álcool não bate assim
Uma mulher da primavera fura a minha atmosfera
Num ato que nos fere a certeza d'um amor que era
O qual impera um território há muito conquistado
Mas muito pouco estimado de eu andar sempre ocupado

[Verso 4]
A espera da minha mulher na face tão dramática
A paciência do seu corpo tão cinematográfica
Os lençóis com mil formas de inquietude
Mil manobras para que tudo nos deixe ficarmos juntos
Cenas em flash, cenas d'uma praxe quando é nova a reação
Quando o macho aprova uma motivação feminina
E curte examinando o seu todo
É ambição ou cansaço de não ser ambicioso

[Refrão]
Quantas voltas dás, quantas voltas não voltam
Quantas voltas tem um caminho de volta?
Quantas voltas deste, quantas voltas fizeste
Quantas voltas dá um caminho de volta?

Quantas voltas dás, quantas voltas não voltam
Quantas voltas tem um caminho de volta?
Quantas voltas deste, quantas voltas fizeste
Quantas voltas dá um caminho de volta?

[Verso 5]
Nunca fui tão espontâneo sentir que tudo é benéfico
Preocupação: arranjei tempo para um analgésico
Ao entrelaçar as mãos, qualquer local é propício
A evolução da líbido faz-me mais primitivo
Em casa dela as coisas são maiores
Até os espaços onde ela pousa os livros são maiores
Essa mulher de luz que fechou os estores
E apagou a minha dor na minha pele libertando os poros
Em prole do que ela sabe no colo d'uma vontade
Eu mole assim me colo à sua clara superioridade
Decido a olhar para a frente e por as mãos na culpa
E noutro lado olhar para o chão e por as mãos na nuca
Nenhum dos dois pensa, são reféns da sensação
Com fé de ganhar algo mais e ver nisso a compensação
Era a réplica da antiga paixão
Que apodreceu como um cigarro fumado por um pulmão
Agora estou mais tenso, há imenso que não me sentia frenético
Entre os dois a temperatura como um campo magnético
Caminho poético, eu nunca tinha vindo neste
Cada caminho regressa, mas qual o regresso deste?

[Refrão]
Quantas voltas dás, quantas voltas não voltam
Quantas voltas tem um caminho de volta?
Quantas voltas deste, quantas voltas fizeste
Quantas voltas dá um caminho de volta?

Quantas voltas dás, quantas voltas não voltam
Quantas voltas tem um caminho de volta?
Quantas voltas deste, quantas voltas fizeste
Quantas voltas dá um caminho de volta?

[Verso 6]
Algo que nos acorda como espécie de dúvida
A verdade podia ter sido um sonho
Agora cabem milhões de perguntas
Numa pequena casa que se tornou gigante em mim
Primeiro eu antes dos outros, mas fui outro antes de mim
Fui um outro que era eu - numa volta que nunca volta
Eu quero voltar para casa
Quantas voltas tem um caminho de volta?