DEAU
Semente
O que é que uma semente tem a ver contigo?
Escuta até ao fim aquilo que eu te digo)
Um dia deram-me uma semente, fechei-a na mão
Corri a mostrá-la a toda a gente, inocente
Exibi-a com orgulho e entre os dentes disse-lhe:
- Vou-te dar o mundo, sê paciente
Procurar um sítio onde
O solo seja fértil e te fecunde
As nuvens chorem e o sol não se esconde
Mas nos subúrbios sítios desses existem onde?
(Existem onde?)
O sol é de cimento, o céu é tão cinzento
Nuvens densas condensam os raios de sol lá dentro
Existem muitas pessoas por metro quadrado de área
Que antes de nascer tu já estás a ser calcada
Abri a mão, senti-te na minha palma
Eu não menti, juro-te do fundo da alma
Dou a mão à palmatória, é aqui que a história acaba
Comecei a dar-te o mundo e acabei por dar-te nada
(Acabei por dar-te nada, acabei por dar-te nada, comecei a dar-te... nada)
De repente, sopra uma rachada de vento, tento fechar a mão
Não fui a tempo, foges entre os dedos
Entro em desespero, espero o amanar desse sopro
Que apela pelo teu bem-estar pouco a pouco
Arrumo tudo para o lado, rumo em direção a ti
Mas cada vez sopra mais, eu nunca mais te vi
Eu corro para ti, por ti aqui perdido, decidido
A encontrar-te, mas sou mal sucedido
E eu só queria dar-te sol, água e sustento
E dar-te amor, afecto e parte do meu tempo
Desorientei-me sem rosa dos ventos
Ao ver-te levada ao sabor do vento
(Ao sabor do vento, ao sabor do vento)
Eu nunca me esqueci de ti, apenas de ti
Moras com barreiras para me lembrar que era aqui
O sítio onde devias estar, desafiar a gravidade
Lutar com raízes, libertar sementes mais tarde
É verdade, acredites ou não
Não há um dia que passe sem que me assombre a razão
O dia em que sem contar, ia quando um passar
E veio um vento forte e tu escapaste da minha mão
Sabes quem me dera que isso não tivesse acontecido
Porque apesar de tudo também podias ter sido
Um cravo na ponta de uma espingarda
Ou uma flôr num ramo misturada, numa mão apaixonada
Ser um malmequer com as pétalas certas
Para lhe dizeres que bem lhe queres nas certas alturas
Ser uma hera, trepar muros e moradias
E brilhar todos os dias, sem medo de alturas
Um girassol numa terra qualquer
Ou uma flôr no cabelo de uma mulher que se põe gira ao sol
Ou então, um dente de leão
Que espalha sementes ao vento em qualquer direção
Mas não és e eu sei a razão
é porque não consegui fechar a tempo a minha mão
E desde aí que eu anseio o teu perdão
(perdoa-me)
Desculpa, perdoa-me, talvez já não te lembres de mim
Quando era pequena quiseste dar-me um jardim
Procuraste mas no fim não encontraste
E o vento levou-me para fora desse contraste
Assim nos separámos e eu ainda te vi correr
Mas ele soprou mais até que nos deixámos de ver
Eu não te sei dizer para onde me levou
Mas tudo aquilo que a tua boca me falou
Havia calma, água e luz no solo
Havia espaço, harmonia e a luz do sol
Havia tudo um quase, tudo no mesmo espaço
Mas faltava-me o amor desse teu abraço
Por isso, pedi-lhe que me levasse de volta
Que me deixasse cair mesmo à tua porta
Onde é difícil crescer, mas não me importa
Eu sabia que havia forma de dar a volta
E apesar do meio não ter o que eu queria
Nos subúrbios nuvens não se comovem, o sol não brilha
Dizem que existe tudo no meio do nada
Quntas vezes eu te vi sentado nessa calçada?
Desanimado com a vida
Despedaçado com a partida
De entes queridos que não te avisaram da data da ida
Inconformado por não teres ninguém ao lado
Com quem partilhar os momentos que te têm inquietado
O silêncio não se cala, tens um encontro com a solidão
Ninguém te fala e os amigos não te encontram
Foste vencido pelos princípios que defendes
Amas ser livre e é por amor que te prendes
Nessa altura, fazes algo que não te apercebes
Os teus olhos são nuvens e a chuva que me concebes
é força metriz que faz a minha raíz brotar
E desafiar as leis da sobrevivência deste lugar
Há dias em que te sentas nessa calçada
Rasgas a cara com um sorriso
Narras as vitórias que travas
Neste piso, e nesse preciso instante
Dá-me o que precisas tanto, sem te aperceberes do quanto
E foi assim que eu cresci por aqui
Não há nada no meio, mas há actos em ti:
Os teus olhos fazem chuva
A tua boca sol, quando ri
Tu és aquilo que fazes com tudo o que fizeram de ti
Acredita, conforme uma planta:
água e sol servem para fazer a fotossíntese
Tu vives e cresces no seio do amor
Das lágrimas e do sorriso de quem te ama
Meu irmão, a vida é simples:
Faz de ti a flôr mais bonita do teu jardim
Não tens de ser mais que os outros
Mas tens de ser mais bonito aos teus olhos
Mais simples e mais puro, meu irmão
Percebeste, o que é que uma semente tem a ver contigo?
O que é que uma flôr tem a ver contigo?
O que é que um jardim tem haver contigo?
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